Segue a Transcrição do Capítulo 03 – História da Inteligência e do Capítulo 04 – Maquiavel e a teoria das razões de Estado extraídos do Livro “ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA – Inteligência de Estado e Inteligência Militar Clássicas“.
Nossa Homenagem à Maquiavel, o Secretário de Embaixada de Florença, Cargo Que Assumiu Por Mérito Próprio (Não Veio a Ser Embaixador Porque Era Plebeu em Uma Sociedade Aristocrática).
Nicolau Maquiavel Foi, Sem Dúvida, o Maior Profissional de Inteligência da História.
Capítulo 03
História da Inteligência
“Os reis pagam caro pela sua incúria, o seu desdém para com os historiadores”.
Napoleão Bonaparte
O mais antigo relato de espionagem que se tem notícia é o do Livro de Josué, Capítulo 2 versículos 1 e seguintes da Bíblia, no episódio durante a guerra entre as cidades-estado de Israel e Jericó
“Então Josué, filho de Num, enviou secretamente de Sitim dois espiões e lhes disse: “Vão examinar a terra, especialmente Jericó”. Eles foram e entraram na casa de uma prostituta chamada Raabe, e ali passaram a noite. No entanto alguém foi informar o rei, governador de Jericó, de que dois israelitas, suspeitos de serem espias, tinham chegado à cidade naquela noite. Imediatamente foi despachado um contingente militar para a casa de Raabe, a fim que esta os entregasse. “São espias”, explicaram-lhe eles. “Foram mandados pelos chefes israelitas para estudarem a melhor forma de nos atacarem.”
O Livro de Josué provavelmente foi escrito por Josué, filho de Num, sucessor de Moisés como líder de Israel antigo (século XIV a.C.). Pode ter sofrido colaborações, adições e edições. Ele fornece uma visão geral das campanhas militares dos hebreus para conquistar a “Terra Prometida”. Esse relato de espionagem é importante devido ao seu contexto histórico, quando a maioria dos generais ainda tentavam antecipar as ações dos adversários com consultas aos oráculos, astrólogos e outros adivinhadores. Portanto, o emprego de espiões para a coleta de informações estratégicas é tática muito antiga. E o relacionamento de espiões com prostitutas, ladrões e outros indivíduos escoriados da sociedade é muito comum.
Desde que o mundo existe, existem conflitos tribais, étnicos e disputas entre povos e nações por terras, riquezas naturais e energéticas, armamentos e conhecimento científico para proteção ou desenvolvimento das atividades econômicas. Embaixadores, espiões, batedores e observadores em postos avançados existem desde que os homens passaram a viver em tribos relativamente maiores e a ser saqueados por tribos rivais, muitas delas sem capacidade de produção agrícola capaz de alimentar todos os seus habitantes, mas, com fabricação de armas e treinamento militar avançados para cobrar tributos ou espoliar os alimentos dos outros. Para elaborar planos estratégicos de proteção e desenvolvimento dos povos ou planos de ataque e defesa, estadistas e generais precisam de um ativo que, apesar de intangível e de dificílima avaliação econômica, é imprescindível ao estabelecimento das premissas sob as quais fundamentam seus planos, a Informação. O maior receptáculo de informação estratégia não é um documento de papel ou outra mídia eletrônica de natureza tangível, mas, um banco de dados intangível: O cérebro humano.
Alexandre, O Grande, comprovadamente o maior estrategista da História (século IV a.C.), inovou o sistema de Inteligência militar ao abandonar práticas de tortura e suborno de funcionários inimigos – tão comuns à época, especialmente entre os chineses e persas -, para realizar a triangulação de Informações coletadas de várias fontes diversas e analisadas por uma equipe multidisciplinar de especialistas de diversas áreas do conhecimento, para, então, realizar suas próprias conclusões antes da tomada de decisões.
Nesse sentido, tão importante quanto a salvaguarda de documentos é a proteção de pessoas que detêm informações políticas, econômicas e sociais estratégicas como cientistas, oficiais das forças armadas, professores, líderes políticos, empreendedores, gênios inovadores e outros indivíduos tão caros à manutenção do Estado nacional e do estilo-de-vida da sociedade. Depois do evento danoso provocado por um Ator estrangeiro muito poderoso, talvez a Nação não recupere sua soberania e seus recursos nem pode resgatar a vida de importantes cidadãos da Intelligentsia nacional. Por exemplo, após invadir a Polônia em 1939, transformando-a em um território não-incorporado que chamado de “protetorado”, Hitler teria declarado suas intenções, em outubro de 1940, após um jantar com o Governador-Geral civil da Polônia, Hans Frank, um advogado de 39 anos que se estabeleceu em Cracóvia, governando a vida de aproximadamente 12 milhões de pessoas, conforme registros do secretário pessoal do führer, Martin Bormann:
“Os poloneses, ao contrário dos alemães, nasceram especificamente para o trabalho árduo […] Não há necessidade de se melhorar nada. Ao contrário, é preciso manter baixo o padrão de vida na Polônia, e não se deve permitir que ele suba […] Devemos usar o Governador-geral apenas como fonte de mão-e-obra especializada […] É indispensável ter-se em mente que os proprietários poloneses devem morrer; por mais cruel que isto possa parecer, eles têm de ser exterminados onde quer que se encontrem […] Só deve haver um senhor para os poloneses – os alemães […] Portanto, todos os representantes da intelligentsia polonesa devem ser exterminados. Também isto parece cruel, mas é a lei da vida. […] Os trabalhadores poloneses também se beneficiarão com isto, pois cuidaremos da sua saúde e providenciaremos para que eles não passem fome; será conveniente que os poloneses continuem sendo católicos romanos; os sacerdotes poloneses receberão alimentos das nossas mãos e, por esta razão, orientarão suas ovelhas pelo caminho que preferirmos […] A tarefa dos sacerdotes é manter os poloneses dóceis, estúpidos e parvos”[1].
A estratégia de dominação nazista implementada por Hitler na Polônia em 1940 se parece muito com a dos romanos da antiguidade lembradas pelo secretário da embaixada de Florença no século XVI d. C., Nicolau Maquiavel, o que reforça a tese da política como ciência. Por não pertencer a nobreza de Florença, Maquiavel não podia ocupar o cargo de embaixador, ocupando o de secretário de embaixada (possivelmente foi espião). Dada a sua função, a natureza de suas informações acerca da forma de governo das cidades-estados italianas e a qualidade de seus relatórios analíticos, o pai da Ciência Política com certeza era um profissional da Inteligência. Os relatórios de Maquiavel com a descrição do sistema politico-administrativo dos Estados que frequentou eram geralmente recheados de informações sobre os principais lideres, suas inclinações e gostos-pessoais e, principalmente, a qualidade e quantidade de seu sistema de defesa e de seus aliados. Em seu Epistolario (1512-1527), Maquiavel dá conselhos ao amigo e embaixador principiante Rafael Girolami que foi nomeado embaixador da cidade-estado de Florença na Espanha junto ao rei Carlos de Habsburgo (Carlos I), com recomendações sobre comportamento social, conteúdo, forma e estilo dos relatórios de informação que reproduzimos pequeno trecho:
“[…] Mais precisamente, digo que deverás observar o caráter do homem; se governa ou se deixa governar; se é avarento, liberal, se ama a guerra ou a paz; se lhe interessa a glória ou tem outra paixão; se é amado pelo seu povo; se lhe agrada viver mais na Espanha do que em Flandres; quais as pessoas que o rodeiam e aconselham e quais as suas inclinações; isto é, se o levam a tentar a sorte em novas ações ou lhe aconselham a se contentar com o que já tem; que domínio exercem sobre ele; se são sempre as mesmas pessoas ou se mudam; se o príncipe tem amigos entre os conselheiros do rei da França e se eles são corruptíveis. […] São essas coisas que, bem consideradas e bem expostas, dar-te-ão um elevado conceito. E não te limites a reportá-las somente uma vez, mas convém repeti-las a cada dois ou três meses, com habilidade, sempre agregando algumas novidades para que a repetição pareça prudente e necessária, e não uma falsa sabedoria”[2].
Muitos oficiais de Inteligência contemporâneos estão lotados em embaixadas do mundo todo disfarçados de secretários de Embaixada ou pessoal do “corpo técnico”. Na Constantinopla dos tempos do Império Bizantino, qualquer enviado estrangeiro era considerado espião e estava sujeito a estrita vigilância da contraespionagem bizantina[3]. Evidentemente, o cargo mais importante para a coleta, filtragem, análise e transmissão de informação acerca dos Estados estrangeiros é o do próprio embaixador, cargo político-administrativo vinculado às suas respectivas Chancelarias de Estado ou Ministério das Relações Exteriores, a quem um verdadeiro secretário deve se reportar. Mas, um profissional de Inteligência, vinculado a um dos órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), um oficial de Inteligência disfarçado de secretário de embaixada – ou um oficial da Inteligência militar disfarçado de Adido militar – deve se reportar ao Diretor residente no exterior ou ao Diretor de Inteligência que o designou para a missão de investigar as intenções, planos e a capacidade dos Estados inimigos. Assim como os embaixadores, os espiões também são “os olhos e ouvidos dos governantes”, dos decisores militares ou estadistas.
Mas não são só relatórios de Inteligência de embaixadores, agentes do serviço secreto, adidos militares e servidores dos órgãos do sistema de Inteligência do Estado, como o Sisbin do Brasil, que servem para um sistema de Inteligência ou rede de espionagem. Os Estados nacionais também se valem de relatórios de estudantes em viagens de intercâmbio cultural, ativistas em campanhas internacionais, missionários e peregrinos religiosos e voluntários em serviços de ajuda humanitária. Muitos desses jovens não sabem, mas, são instados a observar e informar, involuntariamente, acerca da geografia do país que visitou, sua produção e principal atividade econômica, o estilo-de-vida de seus cidadãos, seus lideres políticos, civis e militares locais e sua lealdade, suas vulnerabilidades e capacidade bélica e de reação popular, além de aspectos de sua cultura e modelo mental (mentalidade). Agentes secretos podem utilizar organizações civis não-governamentais para infiltração sob disfarce, mas, não é incomum a economia de despesas com missões secretas mediante coleta de informações por viajantes civis.
O governo dos Estados Unidos da América, por exemplo, mantêm uma organização civil humanitária pacifista em operação no mundo todo chamada Peace Corps (Corpos de Paz)[4]. Seus integrantes são estudantes realmente engajados com questões sociais e humanitárias que são treinados a viver nas mesmas condições das pessoas que ajudam, para não chamar a atenção de criminosos comuns e ativistas políticos contrários aos EUA. São exigidos deles relatórios com informações entregues aos “Diretores residentes”, com dados e informações sobre cidades e vilarejos e suas estruturas, muitos do quais desconhecidos das agências de Inteligência oficiais como a CIA/NSA. Os relatórios dos voluntários do Peace Corps são como jornais locais de lugares tão pobres que simplesmente não tem imprensa nem jornalistas investigativos imparciais. O fato de o governo dos EUA utilizar os relatórios do Peace Corps como fonte de Inteligência estrangeira não retira dessa organização o aspecto humanitário e pacificador efetivo de seus voluntários ao redor do mundo, pessoais das quais louvamos.
A própria CIA mantém empresas “de fachada”, muitas porém com operações e lucros regulares e funcionamento de verdade no mundo todo, em nome de “laranjas” (geralmente ex-diretores), para dar cobertura a agentes e operações de transporte. São empresas de importação e exportação e aviação civil prontas para o transporte rápido e discreto de armas, equipamentos e agentes de operações especiais para apoio a revoluções e contra-revoluções em países subdesenvolvidos, conforme ampla e detalhadamente relatado pelos jornalistas estadunidenses Victor Marchetti e John D. Marks no livro de 1967 intitulado A CIA e o Culto da Inteligência. Esse trabalho jornalístico dissecou a CIA e suas operações reais e foi parcialmente censurado pela justiça dos EUA, país que avoca para si o título de baluarte da democracia[5].
O que chocou a comunidade de Inteligência no mundo todo foi a coragem dos seus autores – e a inação da CIA ante a exposição tão iminente e franca acerca de suas operações ao redor do planeta no auge da guerra fria – que não sofreram retaliação pela publicação do livro e o comprometimento da Atividade de Inteligência de uma das maiores potências econômicas mundial. Essa censura, mesmo parcial, pode parecer ao cidadão comum um atentado contra o direito de acesso a informação, mas, as razões de Estado justificam a preservação do sigilo, do segredo e reserva que deve nortear a identidade e o trabalho de toda a comunidade de Inteligência de Estado.
Em 2012, a CIA foi acusada pelo ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) do Estado do Espírito Santo, Cláudio Antônio Guerra, de fornecer armas para civis e militares do Brasil durante o regime militar na década de 1970. Ele relatou aos jornalistas investigativos Marcelo Amorim Netto e Rogério Sarlo de Medeiros em suas “Memórias de Uma Guerra Suja” que um agente cubano naturalizado estadunidense Jone Romaguera Trotte teria fornecido armas, equipamentos de escuta ambiental e telefônica de última geração, especialistas para treinamento, substâncias venenosas que provocavam a morte por infarto e até metralhadoras disfarçadas em maletas estilo 007. As armas seriam trazidas dos EUA por tripulantes da empresa de aviação Varig[6]. Jone Romaguera Trotte entrou com uma ação judicial contra a Topbooks Editora e os jornalistas investigativos para censurar o livro de memórias do ex-agente da repressão, sem sucesso[7].
Capítulo 04
Maquiavel e a teoria das razões de Estado
“No período moderno (século XVI d.C.), fragmentos dos textos do secretário da embaixada de Florença, Nicolau Maquiavel, considerado o pai da Ciência Política – ou Filosofia Política, como preferir – também ressaltam a importância da Atividade de Inteligência.
Embora muito conhecido pela sua obra mais famosa, O Príncipe, onde lançou as bases do exercício do poder político e militar para a preservação do Estado e manutenção dos Governos, Maquiavel comentou sobre espionagem em uma de suas outras obras não tão famosas, L’arte della guerra – portanto homônima a do general chinês -, no capítulo Breve descrição do governo da cidade de Luca, quando menciona a expressão “espião” uma única vez, apenas quando menciona a forma do governo da cidade-estado medieval de Luca, composto por um Conselho Geral, e explica que
“O Conselho Geral, como disse, são 72 cidadãos que se reúnem com a Senhoria e cada um dos senhores pode nomear três cidadãos, que, reunidos a eles, têm a mesma autoridade. Este conselho permanece por um ano, e o conselho dos 36 permanece por seis meses, com a única proibição de não poderem ser eleitos de novo os que pertenceram ao anterior. O Conselho dos 36 se renova por si mesmo. O Geral é reformado pela Senhoria e por 12 cidadãos eleitos pelos 36. Este Conselho Geral é o príncipe da cidade porque faz e desfaz leis; faz tréguas, amizades; exila e mata cidadãos; afinal, não há apelo possível nem nada que o freie, uma vez que a coisa tenha sido resolvida pelos três quartos dele. Têm, além “das ordens mencionadas, três secretários que exercem, as funções durante seis meses. O ofício destes é o que chamamos espiões ou, com nome mais honesto, guardas do Estado. Estes podem, sem qualquer consulta, deportar um forasteiro ou matá-lo; eles vigiam as coisas da cidade; examinam 96 coisas que ofendam o Estado e que digam respeito aos cidadãos e as referem ao gonfaloneiro, à Senhoria, aos “colóquios”, para que sejam examinadas e corrigidas. Têm, além disso, mais três cidadãos que exercem as funções seis meses e que chamam condottieri, têm autoridade de contratar infantes e outros soldados, têm uma autoridade (podestà) forasteira – que tem autoridade nas coisas civis e militares sobre os cidadãos e sobre quem quer que seja. Também têm magistratura sobre os comerciantes, sobre as artes, sobre as vias e edifícios públicos, como têm todas as outras cidades – com as quais viveram até agora e entre tantos poderosos inimigos se mantiveram. Nem se pode com efeito senão geralmente louvá-los. Mas quero que consideremos o que neste governo há de bom ou de mau.”
Portanto, o filósofo-político da idade moderna louva a nomeação de Secretários de Estado incumbidos da função de examinar 96 coisas que ofendam o Estado, tal como os analistas das agências de inteligência contemporâneas o fazem agora. Mas, é no capítulo intitulado Livros Sétimos e seguintes – As regras gerais e as conclusões que Maquiavel, na parte que destacamos relativa a Atividade de Inteligência, destaca:
“O que favorece o inimigo me prejudica; o que me favorece prejudica o inimigo. Quem na guerra observar com maior vigilância as intenções do inimigo e mais exercitar seu exército, correrá menos perigos e terá maior probabilidade de vitória. Não devemos jamais conduzir os soldados à batalha se antes não nos certificamos de que seu ânimo é disciplinado, e isento de medo. Não se deve combater senão quando se vê que esperam a vitória. É melhor vencer o inimigo com a fome do que com o ferro, pois na vitória obtida com este vale muito mais a sorte do que o valor. Nenhum método é melhor do que aquele que o inimigo não percebe até o adotarmos. Na guerra, reconhecer a oportunidade e aproveitá-la vale mais do que qualquer outra coisa. A natureza não faz muitos homens bravos; a aplicação e o exercício, Sim. Na guerra, a disciplina pode mais que o ímpeto […] Dificilmente será vencido quem souber avaliar suas forças e as do inimigo […] Quando se quer ver de dia se há algum espião no campo, que todos se recolham a seus alojamentos”.
Os conselhos de Maquiavel em sua A Arte da Guerra são parecidos com os do general chinês que o antecedeu em estudo de obra de mesmo nome.
Mas é justamente na obra que trata de políticas de Estado e de Governo, O Príncipe, e não em sua obra sobre estratégia, táticas e operações militares, que Maquiavel destaca no capítulo III denominado Dos Principados Mistos a importância da Atividade de Inteligência; a vigilância acerca das intenções do inimigo; o conhecimento antecipado acerca das ameaças; a previsão:
“Os romanos, nas províncias que conquistaram realizaram essa política com bons resultados. Organizaram colônias, auxiliaram os fracos sem lhes dar mais poder, abateram os poderosos e impediram que os estrangeiros se fortalecessem. Usarei, com exemplo, apenas a província da Grécia. Roma manteve os aqueus e os etólios, abateu o reino dos macedônios e expulsou Antíoco. Entretanto, nem os méritos dos aqueus ou dos etólios fizeram que aumentassem os seus estados. Nem Filipe induziu os romanos a serem seus amigos nem permitiram a Antíoco manter qualquer estada naquela província. Os romanos, neste caso, fizeram o que todos os príncipes inteligentes devem fazer, ou seja, não somente prever as dificuldades presentes, mas, também, as futuras. Assim, obstando-as habilmente, de forma que, a tempo, se possa dar-lhes pronto corretivo, evitando que se tornem incontroláveis. Recordemos-nos os que dizem os médicos acerca da tísica, que, no princípio, é fácil de curar e difícil de diagnosticar, e que, com o correr do tempo, torna-se fácil conhecer e difícil de curar. Tal se dá com as coisas do Estado: Conhecendo-se os males com antecedência, o que só acontece com os homens vigilantes, serão evitados no nascedouro. Mas quando se avolumam, por serem totalmente desconhecidos, tornam-se irremediáveis”.
Não é por menos que Maquiavel é o filósofo preferido de nove em cada dez estadistas.
As premissas e fundamentos pelos quais se valem os Governos para exercer Atividades de Inteligência e Contrainteligência, muitas vezes até mesmo contra seus cidadãos – nesse caso, chamados de ameaças internas -, é, antes de mais nada, a força, o poder e as razões do Estado. Entende-se por força não somente a força física dos soldados e das armas como também a força da lei e do direito consagrados pela sociedade e executados pelo Estado.
Não cabe aqui neste trabalho sobre Inteligência discorrer sobre noções de Teoria Geral do Estado senão tecer breve comentário acerca da Ciência Política que norteia o uso da força pelo Estado para a salvaguarda de seus cidadãos.
A matéria é importante para esclarecer os motivos pelos quais o Estado pode e deve executar Atividades de Inteligência e Contrainteligência e que propaganda os Governos devem divulgar.
De todos os conselhos que Maquiavel deixou aos líderes das cidades-estados italianas do início do período moderno (século XVI d.C.), o mais importante foi não ser odiado pelo Povo.
A propaganda e as ações dos Agentes do Estado devem ser norteadas com base na premissa de que devem proteger o Estado, com todas as suas forças, ao mesmo tempo em que aproxime o Governo de seus cidadãos. O populismo sempre foi estratégia eficaz de conquista de poder político.
Sobre as políticas do Governo para a salvaguarda do Estado, no capítulo XV de O Príncipe intitulado Das Causas Pelas Quais os Homens e Especialmente os Príncipes são Louvados ou Denegridos, Maquiavel aconselha ao soberano que
“não se preocupe da fama que possam lhe dar certos atos, tudo bem considerado, haverá coisas que parecem virtudes e, se praticadas, levam à ruína e outras que parecem más e que trazem segurança e bem-estar”
Esse fragmento de O Príncipe serve para lembrar o cidadão comum, que nunca precisou comandar homens em direção à morte em defesa da pátria ou administrar organizações e empreendimentos que garantem a sobrevivência de muitas famílias, que a Atividade de Inteligência pode parecer uma ação antidiplomática com nações estrangeiras, invasão de privacidade e violação de intimidade – ou mesmo bisbilhotice da vida dos cidadãos -, mas, é uma razão de Estado, um mal-necessário que traz segurança e bem-estar ao Estado e seus cidadãos.
A Atividade de Inteligência serve para a elaboração e implementação das estratégias de sobrevivência, manutenção, crescimento e expansão do Estado; e para definição de políticas públicas, especialmente aquelas relacionadas à Economia política.
Concomitantemente às razões de Estado, existem as razões para preservação do segredo de Estado, que é a classificação da Informação como ultrassecreta, secreta ou reservada, conforme a legislação do Brasil, como salvaguarda da Informação estratégica para preservação da soberania nacional”.
[1] MANVEL, Roger – SS e Gestapo – A caveira sinistra – História ilustrada da 2ª Guerra Mundial – Política em ação 3 – Editora Renes pág. 74 – 1974;
[2] RIBEIRO, Embaixador Guilherme Luiz Leite; Os Bastidores da Diplomacia: O Bife de Zinco e outras histórias – Nova Fronteira pág. 21 – 2007;
[3] Idem. pág. 149
[4] http://www.peacecorps.gov/
[5] A expressão “democracia” significa “governo do povo” e tem origem na cidade-estado de Atenas, na Grécia antiga, onde o conceito antigo de “povo” não era o da população, mas, dos proprietários de terras, portanto, esse sistema de governo não tinha nada a ver com o conceito contemporâneo. Mesmo na antiguidade, o regime democrático gerava liberdades civis e elevados índices de satisfação popular que impulsionavam a economia e o comércio, porém, causou ressentimentos em outras cidades-estados gregas como Esparta e Corinto porque a ideia “democracia” servia de propaganda do império ateniense. A democracia da antiguidade serviu de pano-de-fundo do cenário belicoso da Guerra do Peloponeso. N. do A.
[6] GUERRA, Cláudio; por Marcelo Netto e Rogério Medeiros – Memórias de Uma Guerra Suja – Editora Topbooks – Rio de Janeiro – 2012 – págs. 70/71.
[7] Fonte: Processo judicial nº 0183530-82.2012.8.19.0001, da 50ª Vara Cível do Rio de Janeiro – RJ.
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SOBRE O AUTOR
Marcelo Carvalho de Montalvão é diretor da Montax Inteligência, franquia de Inteligência & Investigações que já auxiliou centenas de escritórios de advocacia e departamentos jurídicos de empresas como Cyrela, LG Eletronics, Localiza Rent A Car, Sara Lee, Kellog, Tereos, Sonangol Oil & Gas, Chinatex Grains and Oils, Generali Seguros, Estre Ambiental, Magneti Marelli, Banco Pan, BTG Pactual, Banco Alfa, W3 Engenharia, CWA Consultores, Geowellex e muitas outras marcas.
Advogado criminalista em especialista em Direito Penal Econômico e solução de estelionato (fraude), fraude a credores, fraude à execução, evasão de divisas e “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, due diligence e Inteligência para recuperação de ativos financeiros.
Autor do livro “Inteligência & Indústria – Espionagem e Contraespionagem Corporativa” e do “Manual de Inteligência – Busca de Ativos & Investigações” comentados AQUI.
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